A Jornada Kung Fu: Reflexões e Aprendizados em São Paulo

A Jornada Kung Fu: Reflexões e Aprendizados em São Paulo

Entre as datas de 08 de janeiro de 2024 e 15 de janeiro de 2024, estivemos eu e meu Sisok (tio Kung Fu) em São Paulo/SP para continuidade dos estudos de Kung Fu, foram novas experiências nesse eterno repisar de aprendizados.

Demorei-me um pouco a escrever, não sei exatamente as razões, acho que temi não ser fiel a experiência ou por falta de repertório para descrever de forma rica tudo o que vivenciei, talvez agora você que dedica algo do seu tempo a esta leitura possa receber um texto de maior qualidade, visto que, em que pese o humilde saber de quem escreve, as experiências puderam ser melhor digeridas pelo passar dos dias na minha Jornada Kung Fu.

Fui a São Paulo com meu Sisok Hermano Pereira, pessoa a quem tenho alto apreço, ser humano que me sempre foi exemplo, presto aqui minhas homenagens e gratidão ao privilégio de conhecê-lo. Pois bem, nossa estadia foi (como de costume) um período intenso. As práticas marciais se davam pela manhã, tarde e noite, havendo por única limitação nossa capacidade física e mental de continuar estudando.

O estudo feito nesse nível de intensidade expõe o praticante a muita informação valiosa, contudo, o próprio ritmo impede de perceber as nuances que estão presentes, mas para nossa felicidade a vida não se encerra ali e podemos seguir digerindo e absorvendo o vivenciado por semanas, meses, quiçá anos.

Como resido no Estado do Ceará, no município de Crato, acabo tendo menos contato com as cerimônias presentes na família Kung Fu, e até atos mais simples como a passagem de nível se mostram novos e cheios de nuances, fiz dessa vez minha cerimônia de entrada no nível Cham Kiu (nível 2), para tanto entre os protocolos está presente a apresentação da forma do nível Siu Nim Tau (nível 1), em que pese o cansaço advindo das aulas e das poucas horas de sono, consegui me sentir presente na execução Kuen To (Forma), perceber isso veio como um coroamento ao meu estudo, o que me deixou feliz.

Houve um filósofo do século passado, chamado Mircea Eliade. Ele costumava dizer que “o sagrado é a função de dar sentido”, tive contato com este conceito inicialmente pelo canal de Filosofia Nova Acrópole, esse conceito ficou por muito tempo na minha cabeça, martelando. Após algumas vivências me veio que o sagrado vem como pano de fundo para sacralizar os atos e viver a vida. Ficou claro que aquela cerimônia era pra mim sagrada, não em um sentido religioso, mas enchia de significado uma gama de esforços e sacrifícios feitos para tornar o estudo do Kung Fu Ving Tsun (Kung Fu Wing Chun) uma realidade. Isso soube imediatamente durante o rito.

Alguns dias depois meu Sidai (irmão Kung Fu mais novo) Nicola, um francês gente boa (não se surpreendam eles existem!). Afirmou que havia gostado da minha apresentação da forma Siu Nim Tau, retruquei em tom espirituoso que tudo adveio em razão da minha saltada muscularidade, brincamos com esse tópico. Mas não era a resposta que guardava em mim, naquele dia me perguntei porque havia escondido sob o manto do humor as minhas reais impressões.

Entre as datas de 08 de janeiro de 2024 e 15 de janeiro de 2024, estivemos eu e meu Sisok (tio Kung Fu) em São Paulo/SP para continuidade dos estudos de Kung Fu, foram novas experiências nesse eterno repisar de aprendizados.

Não cheguei nos dias posteriores a uma resposta concreta, mas suspeito que seja por minha falta de autoridade para falar de algo tão complexo e rico quanto o Kuen To Siu Nim Tau.

Direi aqui em tom de confissão minha reais impressões das razões que me levaram a apresentar uma forma minimamente satisfatória, a verdade é que acredito fielmente que as formas do sistema kung fu não são apenas movimentos artísticos ou decorativos de menor importância, são muito mais. Cada forma carrega ensinamentos gerais sob o sistema e princípios específicos, é como se a forma tivesse algo a ensinar aos que corajosamente se dispuserem a estudar. Existe uma verdade única que cada praticante pode extrair da forma, por isso vale a pena tê-la como dispositivo principal.

Não sei o leitor consegue vislumbrar esse pensamento, veja é como se houvesse um ensinamento específico para você, que só pode ser acessado por você, cujo preço é o corajoso compromisso do estudo. Apesar de difícil de alcançar, essa chave permite entender a si, suas questões, seus desafios, vai muito além da luta, te permite viver uma vida mais plena. Diante disso, o preço se torna pequeno e as entregas se veem todas recompensadas.

Mas nem tudo são flores, o treinamento intenso me desgastou bastante fisicamente, e ao voltar ao Ceará não dei o descanso que meu corpo exigia, infelizmente pecar pelo excesso é uma característica que busco lapidar… nos meses seguintes me machuquei na sala de musculação, lesionei inicialmente o adutor e quadril, para um mês depois machucar meu tríceps medial. Pois é, minha teimosia teve um preço. Me encontro bem melhor, quase recuperado, mas as lesões não foram importantes, o que elas me proporcionaram se mostrou valioso.

Machucado e desanimado (um compulsivo por treinamento tende a se abalar quando não pode treinar) comuniquei ao meu Sifu a impossibilidade de manutenção dos nossos estudos online (exatamente! mantenho a pratica a distância no período do ano que não consigo ir a São Paulo). Faço isso com a ajuda do meu Sisok Hermano, que generosamente dedica seu tempo a meu desenvolvimento. Meu Sifu defendeu que não deveríamos desmarcar as aulas, que haviam aspectos do Kung Fu que poderíamos estudar, que nas dificuldades é que se precisa trabalhar os potenciais das situações. Confesso que não me animei, mas concordei.

Nos estudos que se seguiram focamos nas formas, em detalhes delas, mas que permitiram uma ampliação de visão, consegui entender que sobrecarreguei inadvertidamente meu quadril e adutor nas práticas o que concorreu com o machucado, e pude contemplas um ensinamento ainda mais valioso.

Durante o estudo do Cham Kiu fizemos uma prática de parte da forma, especificamente o Pai Jaang 批踭 Duplo, que simplificando é o giro do corpo de um lado para o outro presente logo no início da forma, após alguns ajustes entendi como deveria trabalhar esse movimento, nesse momento pensei ter aprendido no sentido de que já era meu o conhecimento e de que toda prática sairia obedecendo esse aprendizado. Inclusive comuniquei aos presentes meu entendimento, isso para logo em seguida errar e sentir o adutor lesionado.

Mas esse engano me colocou com os pés no chão, a vida não é uma sequência repetida de movimentos que sempre serão iguais, a vida é dinâmica, inédita a cada instante e irrepetível. Meu? O movimento era meu? Tolice! Nada é meu. Somente o passado é, e nele a vida não existe, o presente está sendo numa corrente de sucessivos “agoras”. Aprendizado que quando vivenciado corporalmente tem um poder transformador.

“O tempo é o que não é eternidade.”

Novamente meu Sifu me permitiu ampliar meus horizontes, o que aumenta a confiança no trabalho que estou imerso e no legado que sou signatário.

Muito do sentido na experiência Kung Fu sofre perdas ao buscar o engessamento que as palavras carregam, mas espero que minhas limitações em entender meus aprendizados e sentimentos não tenha se mostrado obstáculo na apresentação desse rico mundo que o Kung Fu porta.

Caio Anderson