Propensão, Arte Marcial e Esperança: Reflexões para o Presente e o Futuro

Propensão, Arte Marcial e Esperança: Reflexões para o Presente e o Futuro

No coração do sistema Ving Tsun de kung fu, encontramos mais do que técnicas de combate (arte marcial) – ele é uma metáfora para a vida. Inspirados pela palestra “Esperança Radical” de Roman Krznaric, realizada no Unibes Cultural em 5 de dezembro, e pelas ideias de François Jullien sobre a “propensão das coisas” (A Propensão das Coisas; Elogio da Insipidez), percebemos como essa arte marcial pode oferecer um caminho poderoso para lidar com os desafios do nosso tempo.

A Propensão das Coisas no Kung Fu e na Vida

Para François Jullien, a realidade não segue uma linearidade rígida, mas está sempre em fluxo, inclinada por forças e tendências naturais. No Ving Tsun, aprendemos a observar essas tendências – no movimento do oponente, no espaço ao redor, e até em nós mesmos – e a agir em harmonia com elas. Não resistimos ao inevitável; acolhemos e redirecionamos, transformando desafios em oportunidades.

Essa abordagem ecoa o conceito de “pensamento de catedral” discutido por Krznaric: construir para o futuro, sem pressa, com paciência e visão ampla. Assim como um golpe no Ving Tsun – Arte Marcial é mais do que uma técnica – é parte de um sistema coeso que prioriza eficiência e equilíbrio –, nossas ações no presente podem moldar o mundo que desejamos para o futuro.

Cultivando o Coletivo e Sendo Bons Ancestrais

Roman Krznaric nos provocou a sermos “bons ancestrais” e a refletir sobre o legado que deixaremos. No Mogung (local de prática e aprendizado no kung fu, equivalente ao que o termo “dojo” representa no Japão), esse legado é construído não só pela habilidade marcial, mas pela força coletiva de um grupo que aprende, treina e cresce junto. No Ving Tsun, o “nós” prevalece sobre o “eu”. A prática exige empatia e solidariedade, qualidades essenciais para enfrentar crises e construir um futuro mais justo.

Assim como aprendemos a escutar o corpo e a energia no combate, podemos aprender a escutar melhor uns aos outros. Isso é tão relevante no treino quanto nas conversas que precisamos ter no mundo: com abertura, coragem e disposição para o diálogo.

Agir “Como Se” – A Transformação Começa em Você

Howard Zinn, citado por Krznaric, nos desafia a agir “como se o mundo tivesse mudado”. No Ving Tsun, essa ideia é prática cotidiana. Cada treino nos ensina a agir como se estivéssemos diante de situações reais, desafiando limites e reformulando crenças. É uma preparação não apenas para o combate, mas para a vida.

Adotar essa mentalidade no Mogung nos permite enxergar além do presente, sair da tirania do agora e construir, com paciência e intenção, uma vida alinhada às nossas aspirações mais profundas. Assim, cada treino se torna um passo em direção a um futuro mais harmônico.

arte marcial, kung fu

Uma Jornada Que Se Revela no Caminho

Como peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela, aprendemos que o significado da jornada não está apenas no destino, mas nas reflexões e transformações que ela desperta ao longo do percurso. O Ving Tsun oferece uma jornada similar: cada treino, cada lição é um convite para nos reconectarmos com nossos propósitos mais profundos e com o mundo ao nosso redor.

Os aprendizados que o Ving Tsun proporciona transcendem o Mogung. Eles reverberam no dia a dia, no modo como enfrentamos adversidades, no olhar que lançamos ao futuro. Talvez seja no silêncio de um treino, no equilíbrio de uma postura ou na fluidez de um movimento que você também encontre suas respostas – ou, pelo menos, a inspiração para fazer as perguntas certas.

Como Krznaric lembrou, é na sabedoria do passado que encontramos as ferramentas para construir o futuro. O Ving Tsun, com suas raízes profundas e ensinamentos atemporais, é um convite para quem deseja ir além da técnica e se conectar a algo maior. Afinal, as respostas estão sempre no caminho, basta estarmos abertos para percebê-las.

Por Washington Fonseca e Márcia Miyamoto, líderes do polo São Paulo de Ving Tsun e peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela